quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Movimento popular: história de lutas populares

Leonardo Sampaio

A década de 70 o Brasil vivenciara o período mais violento da Ditadura Militar, foi também o tempo em que começava minha militância política na esquerda, conhecendo o processo revolucionário que vivia o mundo a aquele momento. Foi um tempo em que muitos brasileiros foram mortos, torturados e expulsos do País por defenderem a democracia e o socialismo.
No inicio da década de oitenta, o Brasil inaugurava uma nova história com o retorno dos patriotas de esquerda ao país, após vinte e quatro anos de exílio e repressão através da Lei da Anistia.
Os movimentos sociais se erguiam com energias, principalmente no sindicalismo e movimentos populares de bairros e favelas à busca de direitos perdidos. Estavam expostas em todo o país as seqüelas da Ditadura Militar que proporcionou maior acumulo de riqueza nas mãos de poucos e grande miséria para a maioria do povo brasileiro.
No Ceará a situação se agravava com um longo período de cinco anos de seca (1979 a 1984) que fazia com que a população desacistida no campo se deslocasse para as Cidades, aumentando as dificuldades de sobrevivência das pessoas nos espaços urbanos, já que não era seu habitat nem na área profissional e nem cultural, o que dificultava também o município à não assegurar políticas publicas de assistências, moradias e empregos. Estas pessoas ao chegarem na Cidade, quase sempre ficavam nas casas de parentes ou pagando aluguéis durante um tempo. Muitas sem conseguir nenhuma renda, saiam pelas ruas mendigando. Os programas de governos não eram suficientes para atendê-los e sem poderem pagar aluguel e continuar por muito tempo na casa dos parentes, começaram a ocupar terras ociosas na Cidade de Fortaleza, aumentando o número de moradias inadequadas e desordenadas sem saneamento básico, escola, unidade de saúde e ainda com grandes conflitos entre ocupantes, proprietários e o Estado. Em meio a esse conflito, o Estado se comporta numa situação de contradições entre garantir o direito à propriedade, assim como, o direito de moradia aos cidadãos(ãs), como o poder estatal estava nas mãos da classe dominante o estado de direito foi sempre assegurado aos proprietários e aos pobres a repressão.
Se contrapondo a esse processo conflituoso de ajuntamento de forças entre proprietários de terras e o Estado contra a população carente e desamparada entram as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e os partidos políticos de esquerdas, ainda na clandestinidade, disputando espaços de apoio à população oprimida e levantando as bandeiras de liberdade, melhorias de condições de vida, organização da sociedade civil em associações comunitárias como forma de construção de instrumentos legais para o enfrentamento com as forças opostas e exigência de direitos junto ao Estado e mudanças de leis através do poder Legislativo. Estas lutas proporcionaram um maior engajamento das pessoas na vida partidária e sindical pela construção do socialismo.
Ao lado dessa luta por justiça e transformações nas estruturas de poder, os setores da Igreja Católica, baseados na Teologia da Libertação se organizam nas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e vão envolvendo Bispos, Padres, Freiras e leigos que, com a Bíblia na mão refletem a partir da fé e a palavra de Deus, os direitos de cidadania e assim, entram na periferia das Cidades pregando a dignidade humana, a organização dos oprimidos e a luta por liberdade.
Em Fortaleza, como militante dessa esquerda e das CBEs, participei da disputa pela hegemonia dos movimentos de mobilização das organizações sociais nos bairros e favelas da Cidade, hora como dirigente partidário, militante das CEBs, ou liderança popular. O movimento se divide entre os partidos de esquerda, e uma parcela funda a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza - FBFF acreditando nas mudanças estruturais pela via institucional do Estado, e a outra força de esquerda apostava na via revolucionária através da luta armada, e para isso, era necessário que as massas estivessem nas ruas exigindo direitos e ao mesmo tempo politizando o processo de confronto com as contradições do estado burguês.
Nesse processo de disputa e organização, a FBFF se aliava a linhas políticas mais conservadoras e iam encaminhando ofícios para as instituições públicas com as reivindicações das comunidades a ela aliada, por outro lado, em meio as divergências as CEBs e as outras forças de esquerda encabeçam outro movimento indo até o povo carente e descontente com as políticas públicas, discutir estratégias para ocupar as ruas e sensibilizar a sociedade sobre as mazelas existentes na periferia e nesse processo de discussões e lutas é criada a Jornada de Luta Contra a Fome, organizando grandes assembléias pelos bairros e favelas, fazendo uma pauta de reivindicações e junto com as lideranças que iam se formando nessa luta, vão transformando as carências apontadas nas assembléias populares, em projetos propositivos que determinam o que cada comunidade indicou como melhoria de qualidade de vida no seu habitat. O objetivo era fazer com que o poder público transformasse estes projetos em políticas públicas.
Para fazer chegar estes projetos até ao Governador e ao Prefeito a estratégia utilizada era fazer grandes caminhadas, saindo da Praça José de Alencar indo até o Paço Municipal e Palácio da Abolição gritando palavras de ordem e chamando atenção da mídia e da população que estava alheia a esse movimento.
Essa mobilização da sociedade excluída fez surgir fortes lideranças na periferia como Inácio Arruda através da FBFF e sensibilizou a classe média e intelectual tendo como interlocutora a Deputada Estadual Maria Luiza Fontinele que foi eleita Prefeita de Fortaleza em 1985, com um mandato interino de três anos, de 86 a 88.
Naquele período eu estava presente, na organização das CEBs, fundação do PT, na mobilização da Jornada de Luta Contra a Fome, na construção clandestina do Partido da Revolução Comunista – PRC, na campanha para eleição da Maria Luiza à Prefeitura de Fortaleza e vivendo financeiramente por conta própria, como representação comercial.
Como militante revolucionário acreditava estar ali construindo a revolução socialista no Brasil, exercendo a praxis nas lutas populares e que era necessário e exigente a leitura, reflexão, ação, avaliação. A cada momento nesse processo participativo, exigia da militância, mais compromissos e foi isso o que me levou a essa seqüência de engajamentos que teve inicio em 1978, e que funcionava como uma escola de aprendizado da práxis e da formação política, da educação popular e administrativa das organizações sociais.
Nos anos de 86 a 88 já na Gestão da Prefeitura de Fortaleza, tive uma nova experiência que era por em prática o discurso de antes, para dentro da administração pública e um dos grandes desafios foi enfrentar a direita e parte da esquerda fazendo oposição à Administração Popular, principalmente por que direita e esquerda estavam juntas na Gestão do Governo do Estado do Ceará (Tasso Jereissat) e do Governo Federal (José Sarnei) e a postura era de destruir a força política de esquerda que estava no poder municipal de Fortaleza, em detrimento às carências da cidade e seus habitantes. Era uma fase difícil para as Prefeituras das Capitais porque funcionavam como uma Secretária dos poderes estadual e federal sem nenhuma autonomia financeira para gestão do município. A situação era de total dependência que os prefeitos das capitais durante o período da ditadura militar eram nomeados pelos dois poderes.
Um agravante nisso tudo, era a ausência da população no processo eleitoral como forma democrática de participação no processo político do País, haja visto que, somente aos 32 anos de idade foi a primeira vez que eu votei para Governador em 82, para Prefeitura em 85 e para Presidente da República em 86, isso, devido ao período da Ditadura Militar que durou 24 anos, onde o Presidente da Republica era nomeado por um colégio eleitoral formado por Generais, os Governadores dos Estados e um Senador eram nomeados pelo Presidente, os Prefeitos das Capitais eram nomeados pelos Governadores, vejam quanto tempo o povo passou sem votar.
Só na Constituição de 88 houve mudanças nas Leis e abertura política, por isso, estamos ainda hoje em um aprendizado do processo de participação popular, buscando democratizar e socializar o exercício do poder público, através dos instrumentos participativos.

Leonardo Sampaio é Educador Popular, Pesquisador e Pedagogo.
E-mail: leonardosampaio5@yahoo.com.br
09 / 06 / 2005

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