quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O CSU César Cals e as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs

Conceitos teológicos e filosóficos que influenciaram a gestão no CSU César Cals
Leonardo Sampaio

Criado em família religiosa, com formação católica de um cristianismo conservador, fui crescendo até que, nos primórdios de 1973 comecei a conhecer o marxismo. Fui me apaixonando pelo tema e passei a seguir os rumos da construção da revolução brasileira a caminho do socialismo. Daí passei a entender as religiões como ópio do povo, uma forma de levar as pessoas a não pensar o mundo como ele é, e acomodá-los na busca da salvação eterna, ou seja, esperar a morte chegar para alcançar a felicidade num encontro com Deus lá nos céus. Um cristianismo punitivo, a quem se rebelar contra a ordem posta, com uma pregação do medo, será castigado e condenado ao purgatório ou ao inferno. Com esse olhar para a Igreja, fui renegando as religiões e seguindo os caminhos do ateísmo, até no início do ano 1979, comecei a conhecer e despertar para a Teologia da Libertação, a encontrar um Cristo Libertador e após longo tempo de afastamento da religiosidade aprendida nos sertões nordestinos do cariri do meu Ceará. Retomei o caminho do cristianismo, porém numa via revolucionária que visa construir a cidadania como forma de defender a vida do planeta e dos despossuídos do modelo capitalista. Deparei-me com dois modelos de Igrejas: um que busca a libertação dos pobres, e outro que servia apenas como aparelho da forma capitalista de governar e que tinha como serviço na sociedade amenizar os conflitos entre ricos e pobres, oferecendo um paraíso de igualdade no céu, que após a morte não haveria desigualdade e que todos os que se arrependerem dos seus pecados mereceram esse paraíso sem divisão de classes.
Mesmo diante desse modelo de Igreja conservadora, já fazia uma leitura crítica das revoluções socialistas no mundo diante da radicalidade do ateísmo em relação ao cristianismo, porque entendo que não é possível fazer a revolução sem a participação dos cristãos, principalmente na América Latina, tendo em vista a religiosidade popular, a grande fé do povo. Percebia que na preparação do processo revolucionário, era possível reverter essa situação da consciência ingênua, a partir da construção de uma cultura com visão libertadora no imaginário popular em relação à Igreja, levando até ele uma leitura crítica da Bíblia e a descoberta do Cristo Libertador. Faze-lo pensar e entender que essa Igreja conservadora é dissidente dos princípios de Jesus Cristo, que ela tornou-se um grande instrumento da burguesia marcada pela ideologia capitalista e pelo poder.
Com essa compreensão de mundo resolvi me engajar e as primeiras atividades comunitárias que me proporcionaram identificar campos teológicos, filosóficos e políticos divergentes em relação à Igreja e ao poder, foram as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs na Fumaça – bairro Pici. Lá se deu concretamente esse confronto entre o poder da Prefeitura de Fortaleza, representada pelas Doutoras do Serviço Social, do Centro Social Urbano Gov. Cesar Cals, fortalecendo a política da Ditadura Militar através dos Partidos políticos Arena e posteriormente o PDS, que naquela época mergulhava o Brasil em violência política e física, com torturas, assassinatos e exílio com o objetivo de entregar nossas riquezas e nossa Pátria às empresas multinacionais, fortalecendo o capital internacional e em particular os Americanos do Norte. Enquanto isso aumentava a pobreza e a migração das populações do interior para as Cidades, inchando os espaços urbanos e formando novas favelas.
Essa política se fortalecia com o assistencialismo. A Diretora do Centro Social Urbano aparecia como a mãe dos pobres, e com isso ela criava uma dependência nas pessoas e ia formando seus aliados e suas aliadas, suas crias, os cabos eleitorais, que se alimentavam da ideologia dominante capitalista que eram transformados em voto pelos cabos eleitorais que são pessoas simples do povo, analfabetos ou semi-analfabetos, despolitizados e que passam a ser massa de manobra dos políticos politiqueiros representantes dos mesmos partidos da Dra. Chiquita, ou seja, os partidos criados ainda no Império Português na época da invasão do Brasil com os exploradores das terras indígenas, o que eles chamam de descobrimento e civilização.

Caminhos para uma administração direta

Foi dentro deste contexto histórico que em 1986, Maria Luiza se elege Prefeita de Fortaleza e me convida como membro das CEBs, como educador popular e militante, para ser Diretor do Centro Social Urbano César Cals – CSU. Ao assumir o cargo, convido as organizações comunitárias para pensar um modelo de gestão participativa para administrar em conjunto com o corpo de funcionários. Assim, iniciamos a gestão e a experiência foi um sucesso, a população sentia gosto em participar, dar opiniões e executar, era um modelo de administração direta no âmbito da Prefeitura. As pessoas tinham a oportunidade de perceber qual a função da sociedade civil, qual a importância daquele órgão público pra ela e como fazer funcionar com a participação da sociedade civil organizada.
Era um processo de aprendizado havia reações com a presença de pessoas pensando e fazendo junto sem ser funcionário/a na verdade era uma tarefa difícil, porque tínhamos ali, parte do funcionalismo viciado e sem formação profissional para atender e conviver com a população, era um poder distanciado, enquanto isso, a população desorganizada estava acostumada com políticas assistencialistas e sempre a espera de políticos e cabos eleitorais. No decorrer da gestão os funcionários, iam revelando as relações políticas, às vezes até com arrogância, como se elas ainda tivessem poder de interferir na administração. Por outro lado a comunidade organizada pôde perceber de perto a desqualificação dos serviços prestados e sentiram que a culpa era da Prefeitura por não abrir concursos e colocar pessoas na folha de pagamento através de indicações de políticos.
As distorções sobre a gestão públicas era uma coisa tão absurda que só no CSU César Cals havia 230 funcionários, entre estes, 60 eram contratados como datilógrafos e só dois sabiam datilografar, ao mesmo tempo, só havia uma máquina de escrever, quanto aos técnicos havia 22, parte deles, eram contratados como professores(ras) com nível superior ganhando 200 horas aula e mais 40% de pó de giz, sem ter no CSU nenhuma sala de aula. Na verdade eles eram técnicos nas áreas de: fisioterapia, médico, psicologia, agronomia, piscicultura, pedagogia, assistente social funções que quase não havia naquele órgão e gerava certa ociosidade. O desafio era abrir um diálogo com eles e criar espaços para que pudessem prestar serviços à comunidade e aí fizemos muitas coisas bonitas que contarei adiante.
Mas nem tudo foi maravilha, a luta nossa era regulamentar seus contratos de acordo com as funções de cada um, o que criou um impasse devido ao piso salarial das categorias rebaixarem os salários, que antes era de professor com 200 horas e mais pó de giz e aí faziam grandes protestos em nível de prefeitura, dizendo que era incoerência do PT e da Prefeita Maria Luiza em reduzir os salários.
Esse quadro se soma a outros, com a exigência de pagamento dos cinco meses de atraso dos salários deixado pelo Prefeito tampão Barros Pinho. Para completar a direita estava enfurecida, por tere perdido o poder para a esquerda identificada com o PT. Por outro lado havia um racha muito forte da esquerda comandada pelo PC do B, que não admitiam a existência do PT, já que historicamente eles representavam essa esquerda, enquanto isso, o grupo ligado a Maria Luiza e que estava comandando a prefeitura vinha de um racha com o PC do B e eram inimigos políticos. Dessa forma o PC do B se alia a direita e comandam greves em todos os setores da prefeitura. Partem pro ataque “O PT num manda fazer greve”? Pois agora vamos fazer. No CSU durante um ano de março de 1986 a março de 1987 em que fiquei na Direção, os funcionários só trabalharam quatro meses e ainda alternando entre uma paralisação e outra. Mas, como eles também não iam para as manifestações, fiz um convite para organizarem durante a greve um processo de formação sobre relações humana e outros temas e assim foi feito um trabalho de capacitação com ajuda de pessoas e instituições.
Foi nesse ambiente que o Centro Comunitário como era chamado popularmente, funcionou e foi devido à experiência administrativa, política e de trabalho comunitário junto às Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, que permitiu exercermos uma administração direta, transparente, em que a própria comunidade com a participação de alguns funcionários assumiu os diversos setores de interesse da própria população, como: esporte, artes, cultura, piscina, etc. O povo organizado fazia mutirão e até lavava o prédio, se sentiam de fato integrados, sentiam-se Direção.
Os depoimentos de quem vivenciou as diversas fases do CSU, mostram que esse período foi o único em que os moradores participavam de fato daquele espaço, porque a gestão era construída com eles e não só para eles. Vários funcionários entraram nesse espírito participativo e se integraram no mutirão, nessa ação coletiva. Obviamente que uma grande parte de funcionários se negaram a participar.

O Setor de Esporte do CSU estava paralisado há alguns anos, antes de mim, o campo de futebol cheio de mato, lama, as traves enferrujadas, a quadra toda quebrada, as piscinas cheias de lodo e até sapo morto. Os funcionários se recusavam a limparem, aí convidei os times de futebol da comunidade para pensarmos soluções de funcionamento de tudo isso. Na primeira reunião vieram doze times e tiramos como encaminhamentos: mutirões para recuperar todos os equipamentos; criar um campeonato de futebol, criar uma liga esportiva. Com a criação da Liga Esportiva do Pici ela passou a gerenciar as piscinas, campo, quadra, criamos o primeiro campeonato de futebol do Pici, desmatamos a Base Velha e construímos 18 campos de futebol, acabando com o espaço de desova do esquadrão da morte, e transformando num grande espaço esportivo da Cidade onde reunia muita gente aos domingos com a movimentação do campeonato.

No Setor cultural convidamos os grupos culturais e recuperamos o auditório, passávamos filmes uma vez por semana e fazíamos festas dançantes, festival de calouros e festas juninas.

No Setor de saúde mesmo estando dentro do CSU, sempre quis caminhar independente porque se consideravam de outra Secretaria com outra gestão, mas sempre quando eram convidados davam sua contribuição.

O Casulo era um espaço das crianças e vinha bastante merenda que sobrava daí organizamos com as cozinheiras um lanche todos os dias para as crianças da comunidade, era alimento pra todo mundo.

O programa de suplementação alimentar – PSA vinha uma cesta básica todos os meses para 700 crianças e 300 mulheres gestantes, no inicio faltava alimento até que descobrimos um esquema de furto, por parte de funcionários. Então passamos a organizar de forma que dava pra todos e para não ficar muito tempo na fila esperando encher as sacolas, convidávamos essas pessoas para irem para uma sala e lá eram dadas palestras pelos técnicos de saúde e outros.

O grupo de produção estava muito reduzido devido o desestimulo na comercialização, aí convidei uma jovem conhecida como catequista na Paróquia de Antônio Bezerra, para fortalecer os trabalhos e quando foi um dia descobrimos que ela estava roubando os tecidos, linhas e etc.

Em meio a essas investigações descobrimos que tinha uma pessoa contratada como Assistente Social e que era falsa, nunca tinha passado por uma Faculdade.


Leonardo Sampaio
Educador, Pesquisador e Pedagogo.

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