domingo, 23 de maio de 2010

Economia Solidária e agroecologia

O Brasil caminha para a II Conferência de Economia Solidária que acontecerá de 16 a 18 de junho de 2010.
Buscando contribuir com o tema, gostaria de refletir um pouco sobre a economia popular e solidária e/ou socioeconômica que tem como princípio o comércio justo, ético, finança solidária, crédito solidário, moeda social e agroecologia no centro de equilíbrio do desenvolvimento sustentável. A socioeconomia solidária se caracteriza por práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza. É essa a Economia Solidária, que traz em si uma nova prática de produção, comercialização, finanças e consumo que privilegia a autogestão, o desenvolvimento comunitário, a justiça social, o cuidado com o meio ambiente e a responsabilidade com as gerações futuras.
A socioeconomia solidária gera outro debate no que se refere à agricultura, quando se percebe que não basta só ter a terra, produzir sem agroquímicos, ela é também espaço de resgatar e recriar formas de comercialização coerente com a proposta agroecológica. Daí, a Economia Solidária passa a ser parte fundamental da construção da agroecologia, agregando diversos mecanismos de contraposição de superar a Economia Capitalista do agronegócio, com a organização dos camponeses e camponesas ampliando espaços de feiras agroecológica, como meio de estimular e recriar o resgate da cultura camponesa através de seus princípios, produzindo de forma coletiva a autogestão das suas atividades, resgatando o conhecimento tradicional, através de intercâmbios, organização em Redes de Agroecologia e Economia Solidária, cooperativas, associações, em fim, uma gama de alternativas como forma de resistir e se contrapor a imposição dos mercados capitalista.
Dessa forma a organização da produção a partir da agroecologia e a economia solidária se entrelaçam criando não somente alternativas de produção, mas também outras relações sociais baseadas na organização do trabalho coletivo e autogestionado, com respeito ao trabalho e as relações comerciais e dessa forma cria e recria diversas estratégias para enfrentar o mercado hegemônico, sob o princípio da solidariedade e da democracia para enfrentar os desafios do trabalho rural.
Esse caminho teórico, político, metodológico e prático é o que esta em construção no campo e na cidade envolvendo os produtores e produtoras dos Fóruns de Socioeconômica Solidária estaduais e nacional. Estas organizações são as principais forças produtivas da agricultura no Brasil, como podemos ver em trabalho de Leonardo Boff. “A agricultura familiar no Brasil representa 70% dos alimentos que chegam à mesa. Ela é responsável por 67% do feijão, 89% da mandioca, 70% dos frangos, 60% dos suínos, 56% dos laticínios, 69% da alface e 75% da cebola”. Estes pequenos agricultores, articulados entre si e também em nível internacional, devem formular as políticas de produção, privilegiar os mercados locais e regionais e manter sob vigilância os mercados mundiais para inibir a especulação e impedir a formação de oligopólios.
A economia solidária no mundo de hoje, é a principal força que se contrapõe a produção mercadológica de acumulação e exploração da humanidade.

Leonardo Sampaio
Educador Popular e gestor em política participativa.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

BANALIZAÇÃO DA VIDA, SEM PRAZER NEM UTOPIA

A segunda guerra foi aqui no Pici.
Como assim?
Ah! Não conhece a história?
Pois onde nós moramos era a Base dos Americanos na segunda guerra mundial.
Eles foram embora e nós ocupamos as terras deles para morar.
Então esse tiroteio aqui deve ser a terceira, quarta, ... sei lá qual é a guerra!
Que guerra?
Sai, sai do meio que lá vem bala ...
Nossa! Mais um tombou.
Foi bem o filho da vizinha, ele ta tão envolvido com droga.
Que nada, foi um otário!
Vagabundo é pra morrer mesmo.
O cara tava muito doido! Drogado.
Vixe!
Escuta aí os fogos!
É a turma lá de cima comemorando.
Foram quatro tiros.
Agora é assim, não sobra ninguém.
Quem descer morre e quem subir morre também.

Meu Deus!
Tão novinho e tão bonitinho!
É! A situação, agora é essa!
Antigamente, os filhos enterravam os pais.
Agora os pais é quem enterram os filhos.
Que coisa triste, essa violência.
Estas drogas vieram para acabar com os jovens!
É verdade!
E os pais são quem sofrem.
Uma hora, é polícia na rua, atrás dos meninos.
Outra hora! São os vagabundos com revolver na mão.
Não temem nem a própria vida.
Eles andam é no meio da rua desafiando todo mundo.
De vez enquanto é tiro pra todo lado.

Hei meu filho!
Nós que moramos aqui no Planalto, temos medo de sair de casa.
E o que faz mais medo são as balas perdidas.
Nós vivemos constantemente aprisionadas/os.
É um bocado de rapazinho
E agora tem até meninas e só andam de magote. Tudo armado!
Ninguém pode nem dizer nada, se não morre!
A situação é tão séria, que têm muitos jovens marcados para morrer.
Todos tão jovenzinhos!
Mas não estão nem aí pra vida, nem deles, nem dos outros.
O que importa é que vivo ou morto, são heróis!

E a Polícia?
Cadê o Ronda?
O Ronda?
Ta na onda!
Onda? Que onda?
Onda Louca!
Onda Louca?
Sim! A lanchonete.
Pode é chamar!
É mesmo que nada!
Oh! Lá é cheio de menininha!
Ah! Entendi!
Por isso que os traficantes deitam e rolam!
Em todo canto aqui, tem boca de droga.
E os traficantes viraram amigo dos “home”!

Essa conversa é o dia a dia da comunidade.
As mães vivem em desespero.
Pra quem apelar?
Parece não haver saída!

Porém! Uma mãe diante do drama de um filho envolvido com gangues, percebe uma luz que brilha aos olhos de outros jovens naquela comunidade. São jovens do ESCUTA* que se manifestam diferentemente. São jovens que estudam, que faz arte, que valorizam a cultura e resolvem dá o grito de alerta. Temos que fazer alguma coisa pra salvar essa turma de meninos que estão se matando e ninguém faz nada. Vamos reunir no ESCUTA, convidar todas as organizações do bairro para discutir uma saída contra essa violência.
E assim foi feito, aconteceu à primeira reunião dia 20/09/09 e lá chegou a mãe desesperada, pediu licença e disse: Hei gente, eu soube que vocês estão reunidos aqui no *ESCUTA pra discutir a questão da violência e das drogas! Eu vim aqui pra vocês me escutar e pedir socorro! É que meu filho está envolvido com droga, ontem mataram um amigo dele e o restante da turma ta toda ameaçada, eu quero tirar meu filho desse meio, pois antes dessas drogas ele era um menino tão bom! Agora não quer me ouvir e eu não sei o que fazer. Seria tão bom ele esta aqui com vocês, fazendo coisas boas como vocês fazem.
Dia 23/09/09 pela manhã, mais um tiroteio, o garoto foi alvejado, não deu tempo fazer nada! A mãe chegou e disse: Faz três dias que pedi socorro lá no Escuta, mas as balas o atingiram, esta hospitalizado, vai ficar paraplégico, ele não merecia isso, porque só fazia vender as pedras para ganhar um dinheirinho pra comer. “O pior é que têm mais jovens marcados para morrer, a polícia faz de conta que não vê e acham é bom quando morre um. Dizem é assim: Menos um vagabundo.
Dias depois aos 18 anos o jovem faleceu no leito do hospital. A luta da mãe agora é o desemprego e duas filhas adolescentes para criar dentro do Planalto do Pici, onde a cada semana morre em média três a quatro jovens, outros são baleados e alguns estão nos presididos. Ao longo de quatro anos, os jovens de maior idade envolvidos com drogas já foram mortos e agora se renova uma safra de usuários que são adolescentes, com idade entre 12 e 17 anos. Antes a faixa etária de jovens envolvidos com droga era entre 18 e 24 anos, agora são menores de idade andando armados e matando.
No meio de toda essa violência, é estranho que durante tantos anos a população comenta que nunca viu nenhum traficante preso ou assassinado e circulam livremente nas ruas.
Enquanto estava escrevendo essa história por volta de sete horas da noite, ouvi fogos, mais tarde saí na rua e ouvi os comentários: Aqueles fogos foram para anunciar a morte de mais um. Quem morreu agora foi o que deixou o outro paraplégico pela manhã.
Como pedagogo, educador popular, pesquisador, militante engajado e gestor público trago essa conversa localizada e ocorrida no Bairro Pici em Fortaleza, com intuito de provocar através de uma amostra, o quanto a droga associou-se à violência e globalizou-se no mercado de consumo a partir do vicio e a banalização da vida, sem prazer, nem utopia.

Leonardo Sampaio
23/09/09

* ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar.